dawntown

...it sticks between the teeth of the mind...

Monday, August 21, 2006

 
Roofless
Vagueiam desassombrados numa urbe sentenciosa. Remetidos aos seus esconderijos arcam com os reflexos do espelho em que a cidade não se revê. Este, munido de um litro de tinto, sentou-se, junto a mim, sobre o recosto de um banco na Avenida da Liberdade. O gorro preto escuda a carapinha desgrenhada e a roupa exala um fedor nauseabundo. Usa perfume de homem? Pergunta-me. Assevero-lhe que não. Deixei-me há muito disso. Usa perfume de homem? A pergunta, em tom desafiador, subentenderia outra interrogação? Que tipo de homem és tu? Cães cheiram cães como forma de mútuo reconhecimento. Que espécie de homem fora ele em tempos? O seu despojamento voluntário? A resignação à condição de indigente alguma táctica de sobrevivência? Lançaria sobre outros como eu um olhar jocoso por se renderem aos trâmites de uma sociedade por ele enjeitada? Daí a sua altivez e o semblante risonho ciente de que escolhera a melhor vereda entre os socialmente desobrigados? Noutro ponto da cidade uma réplica. Outro sem-abrigo. Este de rasta espessa e fungosa, o mesmo ar altivo. Empoleirado no encosto de um banco de miradouro fumega da boca e do nariz em simultâneo, absolutamente alheio às circunstâncias. O charro macera-lhe a alma imersa na mais silente distopia. À vista, o Tejo no ocaso da tarde matizado por luzes de barcos imóveis. A cidade é deles.





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